Relendo o livro “Água Viva”, de
Clarice Lispector, lembrei de como gosto das palavras. Difícil descrever o que
se sente lendo esse livro. Só sei que me encheu de palavras. E de sentimentos.
Não lembro quais eram. Eram. É. Mas não me culpo, ela mesma me conforta: “Não
sei o que estou escrevendo: sou obscura para mim mesma”. Nesse livro, ela fala
do “instante-já”:
“Mas o instante-já é um pirilampo
que acende e apaga. O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade
toca minimamente no chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará em um
imediato que absorve o instante presente e torna-o passado. Eu, viva e
tremeluzente como os instantes, acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e
apago.”
Talvez eu, nós, it, vivemos
assim. É de instantes-já que eu escrevo. Escrevo esporadicamente, pois é assim
que os espantos, os instantes-já-espantos, aparecem. Ou aparecem o tempo todo e
eu os percebo esporadicamente. Não sei. Só sei que escrevo. Às vezes.
Não escrevo para ninguém, escrevo
de espantos, como disse alguma vez Ferreira Gullar. De jeito algum estou me
comparando a ele. Não me comparo a ninguém. Não sou ninguém. Talvez escrevo
para meu eu-leitor, um leitor-it, se isso existir. Isso não existe, muito
provavelmente. Melhor assim.
Não sei bem por que estou
começando isso, talvez é uma forma de eu escrever mais. Me cobrar mais. Ou não. Não sei. Veremos.
“Não é
confortável o que te escrevo. Não faço confidências. Antes me metalizo. E não
te sou e me sou confortável; minha palavra estala no espaço do dia. O que
saberás de mim é a sombra da flecha que se fincou no alvo. Só pegarei
inutilmente uma sombra que não ocupa lugar no espaço, e o que apenas importa é
o dardo. Construo algo isento de mim e de ti - eis a minha liberdade que leva à
morte.”